Tuesday, March 11, 2008

Na segunda ou terceira aula com o Ivan, lembro de estar sentado esperando ele terminar de xerocar algumas páginas da Action Comics #815.
Eu tinha acabado de comprar na banca da rodoviária uma Wizard que tinha entrevista com o Bené (Joe Bennett).
No momento em que o Ivan entrou na sala com os xerox na mão, eu estava lendo uma das últimas perguntas da entrevista. A pergunta era referente ao ritmo de produção dele, quantas páginas fazia por dia, etc. Me lembro detalhadamente do Ivan colocando as páginas em cima da mesa enquanto eu lia a resposta do Bené que era mais ou menos assim: “Produzo cerca de 2 páginas por dia, salvo os dias de depressão profunda aos quais todos estamos sujeitos.”
A resposta era basicamente essa e o motivo de eu lembrar com detalhes do que o Ivan fazia enquanto eu lia essa resposta é porque lembro de me tocar, naquele segundo, sobre a parte difícil de se trabalhar com algo que parece exigir de você seu melhor estado de espírito pra fazer algo bom.
E é diferente quando você vê uma pessoa real, que sente como você sente, na sua frente com trabalho em mãos. Um bom trabalho em mãos.
É diferente você ler nas revistas que é preciso fazer uma página por dia e depois olhar pra pessoa na sua frente que tem que produzir com uma determinada qualidade com regularidade.
Agora, veja bem, isso é relativo e tenho certeza que no fundo, acaba sendo uma questão de: Senta e faz.
Mas é assim mesmo? E eu pergunto de verdade pra todo mundo aí (e é qualquer um) que tenha mais experiência que eu. É realmente assim sempre?
Bateu uma tristeza, uma solidão, coração partido ou simplesmente algo bobo que parece ter mais importância do que realmente tem... sei lá o quê, mas tem que trabalhar... realmente é senta e faz?
“Ah, tem que ser, porque com os prazos, etc, etc.”
Sim, eu tive essa aula.
Mas sempre funciona?
O “ senta e faz”, “cumpre seu prazo” é suficiente pra fazer um bom trabalho?
Quando seu humor (seu estado, sua mente) deixa de perturbar – ou perturba menos – e você, profssional, consegue sentar e trabalhar bem? Fazer um bom trabalho simplesmente. Como se faz isso?
É tempo? Experiência? Maturidade?

Eu passo por isso mais vezes do que gostaria (e talvez seja algo pessoal e não generalizado), mas eu queria realmente saber colocar essas coisas de lado e fazer um bom trabalho. Não simplesmente fazer o trabalho. Mas fazê-lo bem.

6 comments:

Anonymous said...

Bruno, leciono há mais de dez anos e esse é o maior problema de todos... achar solução pra todo quadrinho, pras poses, para os pequenos gestos, proporções, cenários, composições; saber onde buscar o referêncial... é tudo muito cansativo e trabalhoso.
Tem de ter paixão. Fôlego.
Eu ia visitar o meu amigo Rodval Mathias e via ele trabalhar com paixão. O cara ama desenhar. Eu ficava enauseado. kkkkk...
Mas, brincadeiras à parte, é tudo isso é mais um execelente respaldo de conhecimento técnico, anatômico.
Quem não domina anatomia não faz nada. Nem com referência. É preciso saber muita anatomia para usar a referência com adequação, ser rápido, etc.
Todos os bloqueios vem dai, da falta de estudos, de conhecimento, de prática. É como fazer ser um bom esportista. Tem de ralar muito.
Tenho alunos absurdamente bons. Bons artesões, mas, na prática, numa produção, não fazem porra nenhuma. Não se conta com eles pra nada.
Pensa bem, dá pra contar nos dedos os bons desenhistas de HQ. É um trabalho pra pessoas especiais.
Desenhar HQs profissionalmente, é desgastante, duro, sofrível. Fazer bem e cumprir prazos, é coisa de super-herói.
Rogério Cruz, Deodato Filho, e todos os outros são heróis.
Eu também tenho o maior orgulho de conhecer esses caras.
Abraço.

Gilberto Queiroz said...

Fala Bruno, blz?
Gostei mt desse seu texto. Levanta questões importantes e pertinentes. O comentário do Seabra foi ainda mais apropriado. Sempre tenho essas dúvidas, e me pego achando quase impossível chegar ao nível de trabalho de um Ivan Reis, Renato Guedes e outros. Os caras devem enfrentar diariamente tudo que vc citou. Mas superam isso aparentemente, em todo trabalho que lhes cai na mão. fico admirado!
Parabéns pelo texto. Vc escreve mt bem!
Abraço,
Gilberto

Roger Cruz said...

Bruno, seu figura.
Me lembrei de umas parábolas Zen depois de tantos questionamentos. Mas não vou citar nenhuma porque já me esqueci. eheh
O Seabra disse uma coisa importante: Paixão.
Eu costumo dizer que a seleção natural resolve estas questões.
Quem está lá, no mercado, não chegou à toa, por acaso e disse:"-Opa! Que lugar é esse, o que eu tô fazendo aqui, quem sou eu?"
Também costumo dizer para os alunos que desenhar é como fazer arte marcial.
Cê começa na faixa branca e sabe que vai ter que ralar para ser Preta.
A gente vê um cara fazendo acrobacias de Kung Fu e pensa:"-Caraca! Isso é incrível! Quero aprender esse troço!"
Então, vai ter que treinar como ele treinou. Percorrer todo o caminho.
É assim com tudo. Com aprender a andar, a beijar, jogar iô-iô, assoviar, pilotar avião, etc..
Só tenho uma coisa a dizer:
-Senta e faz! ahahah
Com paixão, sem preguiça, com planejamento.
Nos momentos de deprê, faz o seguinte: Senta e faz!
Tirando as exceções de depressão justificada, deprê não mata, não anula, não te impede de comer, ir pra faculdade, almoçar, enfim, tocar a vida.
Então, senta e faz. Aproveita o gás da juventude.
Se você não fizer, tenha certeza que alguém está fazendo. Alguém sentando e fazendo. No bom sentido, é claro.
Seleção Natural.
Abração, cara.
Belo texto.

Anonymous said...

Opa, oi Bruno, cara que texto vc escreveu, muito bom, parei para refletir o que faço quando isso ocorre comigo?, nesses dias eu nem sento na prancheta, por que sei que não vai sair coisa boa, posso passar o dia inteiro tentando e o máximo que irei conseguir é a minha lixeira cheia de páginas ruins, costumo deixar para outro dia quando estiver mais inspirado, quando isso acorre compenso o dia anterior com uma página a mais, é logico que as vezes não é possivel deixar pra outro dia quando se está atrasado, então nesse caso é: Seja o que DEUS quiser e como vc mesmo dize: Senta e faz heheheee.... eita nois, vida dura é essa de desenhista, mais não troco minha profissão por nada desse mundo.
Abraços meu amigo
Eddy Barrows

Rodrigo Soldado said...

acho que o ser humano está sujeito a isso, de estar mal e ter que escolher entre forçar e fazer alguma coisa ou esperar estar bem e fazer algo realmente bom. sugiro sair um pouco dos quadrinhos e mergulhar num ramo que também muito paulera, animação. entrevistas em http://animationpodcast.com/ (com glen keane é muito boa) e http://splinedoctors.blogspot.com/ (especialmente com brad bird) dão uma noção de que existe dias escuros mas é possível sair bem deles...

Anonymous said...

Eu me perguntava esse tipo de coisa todo santo dia...
Até o dia que não aguentei mais e larguei o desenho. =/
Parei sendo um "faixa branca" e já me sentia horrível em relação a isso. Fico imaginando como podem suportar, os "faixas pretas" ai, como o Roger, o Ivan.. são verdadeiros heróis mesmo. Torço sempre por vocês! Bola pra frente Brunão... um dia tu xega lá! :)

É até possível sim superar esses problemas que surgem as vezes, o problema é quando a deprê é constante e interminável...
No meu caso, eu fico é pensando não como vou trabalhar, mas sim como é que vou viver uma vida inteira dessa maneira.

Ps: Rapaz, já te pedi mil vezes pra tirar o link daquele blog ali.. nunca mais vou atualizar aquilo. =/